Cidade Universitária do Camama: o sonho académico que há 20 anos não sai do papel
Projecto iniciado em 2002 acumula promessas, orçamentos milionários e estagnação
Há mais de duas décadas, o Governo angolano lançou a construção da primeira Cidade Universitária do país, um projecto destinado a reunir, num único espaço, todas as faculdades da Universidade Agostinho Neto (UAN). Passados mais de 20 anos, o campus do Camama permanece um símbolo de promessas adiadas, má gestão e ausência de prioridades no ensino superior angolano.
Uma promessa de modernidade que nunca se concretizou
Projectada em 2002 e iniciada formalmente em 2008, a Cidade Universitária foi concebida para albergar nove faculdades, um hospital universitário com 350 camas, um parque de investigação científica, residências, centro desportivo e espaços verdes numa área total de 2.000 hectares.
A primeira fase, inaugurada em 2011 pelo então Presidente José Eduardo dos Santos, incluiu cinco edifícios e permitiu o início das aulas em 2012, nos cursos de Matemática, Química, Física e Ciências da Computação. Desde então, pouco mais se fez. A segunda fase, que previa a construção das faculdades de Engenharia, Medicina, Ciências Sociais e o hospital universitário, nunca arrancou.
Em 2021, o Presidente João Lourenço anunciou, no discurso sobre o Estado da Nação, que o Governo tinha garantido o financiamento para a conclusão das obras, no valor de 300 milhões de dólares. Contudo, até hoje, não há máquinas no terreno nem sinais de recomeço.
Obras paradas e invasões privadas
De acordo com uma investigação publicada pelo semanário Expansão, o perímetro do campus está a ser progressivamente ocupado por construções privadas e condomínios, numa clara violação da reserva fundiária do Estado. E, inclusive, há relatos de lotes de terreno vendidos entre 1,5 e 4 milhões de kwanzas, em zonas onde deveriam erguer-se laboratórios e residências estudantis.
Fontes da Universidade Agostinho Neto confirmam que o espaço encontra-se “desprotegido e sujeito a desanexações ilegais”, situação que se agrava com a ausência de fiscalização e a lentidão administrativa do MESCTI. O reitor da UAN, Professor Pedro Magalhães, admitiu recentemente que o projecto está nas mãos do Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (MESCTI), aguardando “validação técnica e financeira”.
Impacto académico e ausência de responsabilização
A dispersão das unidades orgânicas da UAN entre Camama, Mutamba, Kinaxixi e Kilamba tem um impacto directo na qualidade do ensino, nas condições de investigação e na vida dos estudantes. A falta de um campus unificado dificulta a partilha de recursos, encarece a gestão e compromete a coesão académica. E avale ainda ressaltar que o INAAREES chumbou, durante do processo de avaliação externa (2023), a Faculdade de Medicina da universidade, que sequer tem um hospital universitário e laboratórios prórios.
“Se continuarmos neste ritmo, a Cidade Universitária só estará concluída dentro de um século”, ironizou um docente da Faculdade de Ciências Sociais, que preferiu manter o anonimato.
Relatórios de auditoria e de acompanhamento orçamental consultados pelo Jornal Académico indicam lacunas na execução financeira, ausência de relatórios de progresso e opacidade no uso de verbas destinadas à segunda fase.
Analistas apontam que o caso da Cidade Universitária do Camama ilustra a falta de continuidade política e a débil cultura de prestação de contas nas obras públicas em Angola.
Enquanto o país investe em novas universidades e projectos regionais, a principal instituição pública de ensino superior continua sem casa própria completa, à espera que a promessa de 2002 volte a sair do papel.
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